História

A história deste moinho

Para contar a historia deste moinho é necessário falar das pessoas que o construíram, com ele trabalharam e que por aqui passaram.


O seu fundador foi José Mateus Nunes, nascido numa família de fracas posses na segunda metade do século XIX. Certo dia, ao dar um salto para montar a cavalo, ganhou a alcunha de “boneco” quando alguém da assistência gritou para os demais: “Olha, parece mesmo um boneco”. A alcunha pegou e ficou na família até hoje, mesmo o Zé Mateus não gostando.
Casou com uma jovem órfã de pai chamada Vitoria dos Anjos, oriunda de uma família com muitas terras, mas que estavam abandonadas por não terem que as cultivasse.
Com o casamento vieram também alguns terrenos como dote da mulher e o jovem casal não os desperdiçou!
Para começarem a sua vida de casados arrendaram uma pequena casinha na Moita dos Ferreiros e compraram uma junta de bois.
O Zé Mateus foi então ganhar a “jorna” para Miragaia e como ainda é longe para ir e vir a pé com uma junta de bois, arrendou aí um moinho de pau, um moinho de pau é um moinho de vento cujas paredes são feitas em madeira em vez de ser em pedra, pelo que estes moinhos são mais vulneráveis aos temporais por serem mais pequenos e de paredes mais frágeis.
Então, o Zé Mateus aproveitava para pernoitar no moinho, enquanto isso, moía os cereais necessários para a ração dos bois com que trabalhava, e apesar de não ter antecedentes na família que fossem moleiros, lá aprendeu alguns truques que a experiência lhe foi ensinando e ganhou o gosto pela arte.
Certo dia, um homem a que chamavam Zé Dias, foi propor um negócio ao Zé Mateus “Boneco”: tendo o Zé dias comprado uma grande fazenda no Caniçal não tinha dinheiro para a pagar na totalidade, como tal, propunha-se a ceder uma parte da fazenda ao Zé Mateus em troca do restante valor que lhe faltava para completar a compra. Faltavam 120$00 (cento e vinte escudos) mas o Zé Mateus só tinha 80$00 (oitenta escudos) das suas poupanças e um porco gordo pronto a matar que lhe ia sustentar a casa com carne durante um ano. Habituados a viver com pouco, o jovem casal deu então as suas poupanças mais o porco gordo para comprarem um pedaço de terreno no Caniçal e lá passaram um ano a remediar com outras comidas. 
Construíram aí uma casinha modesta para habitarem e como agora já estavam quase a meio caminho entre a Moita e Miragaia, o Zé Mateus já vinha pernoitar mais vezes a casa, mas tinha o moinho em Miragaia o que o fazia ter de lá ficar alguns dias para moer os cereais. Então comprou o dito moinho e fê-lo transportar desmontado em carros de bois para o voltar a montar no Cabeço da Campina que ficava perto de casa.
Mas, como sabem, a vida está sempre a mudar. 
O Zé Mateus foi desbravando e cultivando os terrenos que eram da mulher e escolheu uns a norte da Moita dos Ferreiros, chamados “forno” para construir uma cozinha onde pudessem cozinhar e uma adega para espremer as suas uvas e guardar o seu vinho. Com o passar do tempo essas casas foram adquirindo cada vez mais importância e o Zé Mateus resolveu abandonar a casa do Caniçal, construir uma sala e uns quartos do outro lado da adega e vir morar para a Moita dos Ferreiros definitivamente.
Novamente, o moinho tinha de ser transportado. 
Há ainda pessoas mais velhas que se recordam de ver passar o moinho todo desmontado em peças em cima de carros de bois para voltar a ser montado perto da casa do Zé “Boneco” no Casal do Forno, no local do actual moinho que hoje aqui existe.
Por essa altura já o Zé “Boneco” tinha filhos crescidos, e era o terceiro filho do casal que estava encarregue de “moleirar”. Chama-se António, tem hoje a respeitável idade de 91 anos e herdou do pai a alcunha de “Boneco”.
Os outros moleiros zombavam de cada vez que o vento aumentava: “É desta que a “cafeteira” do Zé Mateus vai parar ao chão!”, porque, como já foi dito o moinho de pau é mais frágil do que o de pedra e ainda por cima este tinha umas velas enormes a empurra-lo, o que lhe devia dar um ar bizarro.
Farto da zombaria o Zé Mateus decidiu construir um moinho de pedra: o maior moinho de pedra do concelho da Lourinhã!
Vendo isto as pessoas que andavam sempre a brincar com o Zé Mateus não ficaram calados… Disseram logo: “O Zé Mateus está a construir um moinho em que vão ser precisos os filhos todos para o agarrar!”. 
Indiferente, a construção contínuo, o moinho começou a moer em 1939 quando o António tinha 17 anos, (e não consta que fosse preciso ajuda dos irmãos para “moleirar” com o novo moinho), mas só ficou terminado em 1940.
O mestre carpinteiro que executou os trabalhos em madeira essenciais ao moinho costumava brincar dizendo: “Isto ate passava só com um preguito, mas vai mais um parafuso que é para o Zé Mateus dar mais um ai!” Referia-se ao facto do custo dos materiais utilizados, face às exigências de qualidade e resistência que o Zé Mateus tinha imposto durante a construção do moinho que hoje podem visitar.
Falemos então do seu moleiro, o “Toino Boneco”: casou com a primeira filha de um outro moleiro daqui bem perto, o António Valentim da Silva, conhecido por “Toino Careca" (esta outra família de moleiros de remontava a moleiros das bandas da Serra do Montejunto onde ainda hoje têm parentes vivos), infelizmente, morreu no parto do seu primeiro filho junto com a criança, o que causou um enorme desgosto a ambas as famílias. 
Alguns anos depois o “Toino Boneco” voltou a casar com uma irmã da sua primeira esposa, chamada Albertina.
Do casamento do “Toino Boneco” com a Albertina nasceu Valentim da Silva Mateus Nunes, actual moleiro deste moinho.
Durante a juventude do Valentim, na década de 70 e 80 os anos de ouro deste moinho, a freguesia multiplicou-se, os fregueses ficaram bastante satisfeitos com a qualidade da farinha e não havia mãos a medir. Trabalhava-se noite e dia para abastecer os fregueses da Moita, Pinhôa, Zambujeira dos Carros, Bombarral, Vale Côvo, Casal Novo e outros espalhados aqui e ali.
Houve então a necessidade de instalar um motor com uma terceira mó no sobrado do meio para dar vazão ao trigo que o vento já não conseguia tomar conta de tantas encomendas.
Primeiro foi adaptado para um moto-cultivador que era ligado externamente ao moinho e mais tarde foi adquirido um motor a gasóleo Lister de 2 pistons que ainda se pode ver no Inferno do moinho bem como toda a montagem subjacente ainda em funcionamento. 
Com a chegada da década de 90 dá-se o decair da arte de “moleirar”. Generaliza-se a venda de pão porta-a-porta, as pessoas mais velhas partem ou já não têm condições para cozer pão a lenha e a industrialização da moagem eléctrica mata definitivamente a moagem a vento. 
Hoje em dia, este moinho trabalha apenas para consumo da casa do próprio moleiro, moendo os cereais criando e cultivado nas terras do moleiro ou de alguém amigo, para manter a tradição e o património enquanto for possível para as gerações vindouras.
O interesse do Valentim pelo moinho levou-o a aprender com os grandes mestres como o saudoso Mestre Henrique da Marteleira e o seu sobrinho, Mestre Henrique de Deus Roque da Mugideira (Torres Vedras), o falecido Zé Gruzo, entre outros grandes nomes que marcaram a história dos moinhos na zona Oeste.
Esta paixão pela arte do vento fez com que o Valentim se tornasse ele próprio um mestre capaz de reparar moinhos, como sucedeu com vários exemplos em que colaborou ou foi o responsável pela obra, e para testar as suas capacidades após um AVC de que foi vitima há uns anos atrás, construiu para si de raiz um moinho pequeno mas funcional que podem observar a nascente, como legado e testemunha de que face aos infortúnios da vida devemos sempre levar as nossas capacidades mais além.
É desejo desta família de moleiros que este moinho, bem como todos os que restam desta tradição, sejam preservados, cuidados e acarinhados para que esta história possa ser continuada.